segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Títulos Florestais

A criação de produtos financeiros chamados ‘títulos florestais´ poderia levantar o montante necessário para a proteção dos ecossistemas nas áreas mais frágeis do mundo, defende um grupo de ONGs em um relatório lançado em setembro de 2011.

Para acabar com o desmatamento e evitar a perda de espécies e a emissão de quantidade de enormes de carbono, seria necessário mais de US$ 30 bilhões ao ano até 2020, segundo a WWF, o Global Canopy Programme e a Climate Bonds Initiative.

“O mundo precisa aumentar o montante de recursos financeiros para as florestas em dezenas de bilhões de dólares na década atual apenas para acabar com a perda dos ecossistemas”, enfatizou o conselheiro da Iniciativa Clima & Florestas da WWF Don Kanak.

Apesar dos recursos públicos serem essenciais, outras fontes inovadoras de financiamento, como auxílio de créditos para títulos florestais, poderiam ser uma forma de alavancar investimentos do setor privado para que o setor público não esteja sozinho nos esforços de ampliação dos recursos disponíveis para as florestas, explica o relatório ‘Unlocking Forest Bonds’ divulgado pelas ONGs nesta segunda-feira. 

Enquanto as negociações do mercado de carbono avançam lentamente, os ‘títulos florestais’, ou ‘forest bonds’ em inglês, seriam uma maneira de lidar com a falta de investimentos, completou o diretor executivo do Global Canopy Programme Andrew Mitchel.

Títulos

Títulos são uma promessa de pagamento futuro, como um empréstimo a ser pago em um prazo definido. Este é um mecanismo comum em outros setores, como saúde e energia, e está recebendo cada vez mais atenção como uma forma de arrecadação de dinheiro para a adaptação e mitigação das mudanças do clima. 

Na construção da infraestrutura de setores como energia e transporte, investimentos de larga escala são necessários e, portanto, freqüentemente é estabelecida uma parceria público-privada para equilibrar os riscos, recompensar ambos setores e financiar o investimento, ao menos em parte, com títulos, explica o relatório. 

Existem muitas características em comum entre os investimentos nestes tipos de infraestrutura e nas florestas tropicais, enfatiza o relatório, especialmente que ambos exigem grandes gastos de capital antecipadamente. Reconhecendo estas similaridades, há cerca de cinco anos vem sendo desenvolvido o conceito de ‘títulos florestais’como uma forma de financiar a preservação.

“O tempo é curto. Apesar do REDD + ser uma oportunidade, a demanda dos investidores é fraca. Pensamos que o campo mais fértil é o uso de programas regionais para florestas que dependem de fluxos de renda diversificados para apoiar um título florestal. É possível elaborar tais programas visando a criação de empregos e a oferta de melhores oportunidades do que desmatar”, completou o presidente da Climate Bonds Initiative Sean Kidney.

“O título florestal é uma ferramenta que países, bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições financeiras privadas podem acessar no mercado internacional de títulos, que vale quase US$ 100 trilhões”, explicou Kidney.

A emissão dos ‘títulos’ lida diretamente com as questões de tempo e escala, possibilitando aos emissores dos títulos a arrecadação de recursos em larga escala imediatamente.

A idéia é que os títulos florestais não dependam exclusivamente da renda gerada pelo carbono florestal, mas também de outros mercados como de serviços ecossistêmicos (ex. água ou biodiversidade), exploração sustentável de madeira e agricultura. Além disso, também podem estar conectados à regulamentações (ex. taxas) ou empréstimos para atividades florestais.

Apesar de uma parte do fluxo financeiro vir de mercados e ações voluntárias, o apoio do setor público através de regras e compromissos será necessário para garantir que os financiamentos se materializem, tornando a preservação um investimento atrativo, explica o relatório.

Para ter sucesso, a estratégia precisa garantir que os benefícios financeiros cheguem a todos as partes envolvidas, o que no caso da preservação florestal inclui os povos cujo modo de vida e bem estar dependem das florestas.

Equilibrar os riscos entre os diferentes atores, desde investidores até populações, e recompensá-los, apenas é viável com vontade política e estabelecendo um quadro regulatório forte, defende o relatório. Um exemplo citado é o do Estado do Acre, que está desenvolvendo um enquadramento para reconhecer os múltiplos valores das suas florestas.

Tudo indica que uma instituição multilateral será a primeira a emitir ‘títulos florestais’, que resultariam em dividendos para os investidores provenientes dos serviços ecossistêmicos, incluindo créditos REDD +. O Bank of America Merrill Lynch está estruturando a transação em desenvolvimento desde o ano passado, reportou a Carbon Finance em maio de 2011.

Paragobonds – Títulos florestais no Brasil
(Fonte: IPAM)

Um exemplo do mercado de título florestal no Brasil foi apresentado por Brenda Brito, do Imazon, e Maurício Moura Costa, da E2 Advisors, durante o workshop “Diálogos sobre investimento em REDD+”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), dia 11 de agosto de 2011, em Brasília.

Eles falaram sobre o Paragobonds, projeto que está sendo desenvolvido em Paragominas, no Pará. O município foi incluído em 2008 na lista dos maiores desmatadores do Ministério do Meio Ambiente e, a partir daí, fez um pacto entre a prefeitura e os sindicatos locais para reduzir o desmatamento e incluir 80% da área do município no Cadastro Rural (CAR).

Paragominas tem área total de 1,9 milhão de hectares, dos quais 1,3 milhão aptos a participar do programa (foram excluídas unidades de conservação, terras indígenas e área urbana). Até o momento, 1,2 milhão de hectares já foram incluídos no CAR, tornando o município o primeira a sair da lista do MMA. Atualmente, o município possui 50% de área floresta, mas muito degradada. Assim, apesar de ter reduzido o desmatamento, precisa resolver o problema da degradação.

Segundo as instituições que estão estruturando o projeto, Paragominas necessita captar 60 milhões de reais em paragobonds (títulos) para poder remunerar os proprietários rurais pela conservação de áreas naturais. “Esperamos monetarizar e buscar recursos para pagar, sem risco financeiro para proprietários e municípios. No entanto, a conta só fecha se houver recursos públicos”, diz Costa


Fonte: Instituto Carbono Brasil

Quem se recusaria a proteger a floresta tropical do Brasil?


por Katia Abreu

Autor: *Senadora Kátia Abreu é presidente da CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

 Presidente da CNA, senadora Kátia Abreu, publica artigo no Huffpostworld, um dos maiores sites de notícias dos Estados Unidos, sobre o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas

Leia o artigo traduzido: 

Quem poderia se recusar a proteger a floresta tropical do Brasil e alimentar 9 bilhões de pessoas? 

Quem olha o Brasil no mapa, enxerga uma imensa mancha verde, que simboliza um país abençoado pela natureza, uma verdadeira potência ambiental. Não é sem custo que o mundo pode nos olhar assim. Mantemos 61% do território intocado e preservado. Mesmo utilizando apenas 27,7% do solo também nos tornamos uma potência agrícola, auto-suficiente, exportadora de U$ 88 bilhões anuais de produtos do agronegócio para mais de 140 países. Tudo isso sob a égide de uma lei ambiental ultrapassada, promulgada em 1965! 

Há quarenta e seis anos atrás era impossível prever a necessidade atual de redução das emissões de carbono na produção de alimentos. Da mesma forma, era impensável imaginar que o mundo teria que aumentar em 70% a produção de alimentos até 2050, para alimentar 9 bilhões de pessoas. Ou seja, que teríamos que equilibrar uma demanda crescente e muita justa pela preservação ambiental no planeta com a imposição ética e moral de produzir mais para garantir aos seus habitantes o direito fundamental ao alimento. 

A busca deste equilíbrio é que tem pautado o grande debate que está sendo travado no Congresso brasileiro, nos trabalhos de atualização do velho Código Florestal. Este é o objetivo central dos deputados e senadores brasileiros, que estão atuando com grande responsabilidade, apesar do lobby ambientalista, capitaneado em grande parte por ONGs internacionais. São elas que desinformam e propalam, entre outras coisas, que "as alterações propostas irão aumentar o desmatamento no Brasil" ou que "o novo Código Florestal está sendo moldado para beneficiar os grandes produtores e atender os interesses dos latifundiários". Dizem também que "as modificações darão anistia aos crimes ambientais". Só acredita nisso quem não leu o texto proposto para atualizar a lei ou quem tem interesse em criar dificuldade ao desenvolvimento do nosso País. No Projeto de Lei que o Senado está discutindo, e que foi aprovado pela Câmara dos Deputados por uma incontestável maioria (86% dos votos), não há um só artigo, uma só linha que possibilite a ampliação dos desmatamentos. 

Não existe, da mesma forma, anistia para crimes ambientais. O novo Código apenas suspende multas aplicadas, após a assinatura de um compromisso para a regularização da propriedade. Os produtores terão um prazo para aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), que deverá ser aprovado pelos órgãos ambientais. Após esse prazo, o órgão ambiental visitará as fazendas para garantir que os termos do compromisso assumido estão sendo cumpridos. Se tudo estiver em conformidade, ou seja, se o eventual dano ambiental houver sido mitigado, as multas poderão ser convertidas em serviços de proteção ambiental. Como se vê, não há anistia, pois não há perdão puro e simples. O produtor tem que resgatar o seu passivo ambiental, antes de ter as suas multas convertidas. Isso é benefício para o meio ambiente. O que o lobby ambientalista chama de anistia já estava estabelecido no Decreto Federal 7.029, de dezembro de 2009. Portanto, o novo Código Florestal não está perdoando aqueles que não cumprem a lei e não está beneficiando grandes produtores. Está apenas reforçando uma norma que dá prioridade à proteção do meio ambiente ao invés da arrecadação de recursos por meio de multas. Além do mais, aqueles que desmataram ilegalmente após 22/7/2008, não contarão com nenhum benefício. 

Muito se fala nos desmatamentos da floresta amazônica, mas pouca gente sabe de duas coisas fundamentais: primeira que, hoje, 85% da floresta amazônica estão preservados. Encontram-se do mesmo jeito que há 500 anos, quando o Brasil foi descoberto. Estes números são oficiais do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. Segunda, que o Código Florestal – tanto o atual como o novo – só é aplicado a áreas privadas, que representam apenas um quarto de toda a região amazônica. Assim, considerando que o novo Código mantém todas as regras de proteção do atual, como a exigência de que cada propriedade da floresta amazônica mantenha 80% da sua área com vegetação nativa (é a Reserva Legal), a preservação da floresta, com todas as suas funções, está assegurada. 

O último grande equívoco que a imprensa tem veiculado, por pura falta de informação, ou informação maldosamente “plantada”, é que o Congresso Brasileiro seria incapaz de discutir adequadamente o Código Florestal. Quem, então, poderia? Quem, se não os representantes legítimos do povo brasileiro, poderia discutir uma lei voltada para proteger a maior floresta tropical do mundo e ajudar a alimentar 9 bilhões de pessoas? Claro que podemos mudar um antigo Código que cria insegurança jurídica e impede o desenvolvimento do nosso País. E nós iremos.
Fonte: CNA

Floresta também é energia!


Pesquisa da Embrapa Florestas


Um dos maiores desafios deste século é a produção de energia renovável e sustentável, tanto no aspecto econômico quanto ambiental. O iminente esgotamento das fontes de carbono fósseis, principalmente o petróleo, apontado por pesquisadores para um prazo máximo de cem anos, torna este desafio ainda mais urgente. A atual crise de energia é acentuada pela instabilidade dos preços dos combustíveis fósseis, que são regidos pelo comércio internacional e afetados por questões políticas mundiais. Além disso, a sociedade mundial tem pressionado para o uso de energia limpa.

Diante desta realidade, o Brasil tem ocupado papel de destaque no cenário mundial pelo seu potencial e competência para realizar a transição da matriz energética de uma forma mais segura e menos traumática para a qualidade de vida, com garantia de abastecimento energético. Este potencial está baseado em quatro pilares: biodiesel; etanol; espécies alternativas e resíduos; e florestas energéticas.

A biomassa florestal é fonte renovável e tem balanço nulo no efeito estufa quando usada para energia e é excelente fixadora de carbono quando empregada para outros fins.

O Brasil possui florestas plantadas com potencial de crescimento e produtividade e extensas áreas com florestas nativas que podem ser manejadas de forma sustentável. Tais fatos trazem perspectivas animadoras ao país em relação à produção de biomassa para energia, com vantagem competitiva no cenário mundial.

Os usos da energia gerada pela biomassa florestal são diversos: desde lenha para abastecimento de residências, propriedades rurais e pequenas indústrias até produção de bio-óleo, briquetes e carvão vegetal. Tais usos podem ser melhorados e potencializados e, para isso, o País precisa investir em pesquisa científica.

O projeto "Florestas energéticas na matriz de agroenergia brasileira" surgiu frente a esse desafio. Com amplitude nacional e subdividido em cinco projetos componentes, interrelacionados, os grandes desafios do projeto são a produção de biomassa em escala, o desenvolvimento de tecnologias de conversão de biomassa em energia e o monitoramento ambiental, de forma sustentável. Seu objetivo é desenvolver, otimizar e viabilizar alternativas ao uso de fontes energéticas tradicionais não-renováveis por meio da biomassa de plantações florestais de forma sustentável.

Os projetos componentes são interrelacionados e se propõe a:
- Estruturar, nas diversas regiões do País, populações de espécies florestais para oferta de germoplasma com tecnologias silviculturais apropriadas e necessárias à expansão de plantios de florestas para a produção de biomassa em quantidade e qualidade apropriadas para uso energético;
- Desenvolver, otimizar e viabilizar alternativas de uso da biomassa florestal, como fonte renovável, para diversificar a matriz energética nacional de forma sustentável;
- Obter produtos de alto valor agregado da biomassa florestal, destinados a geração de energia, por meio do aprimoramento de tecnologias ou ajustes de processos para a obtenção de um extrato enzimático rico de atividade celulolítica e seu efeito na hidrólise de uma matriz lignocelulosica pré-tratada, pirólise, acidólise e oxidação parcial utilizando a mesma matriz;
- Efetuar estudos sobre a viabilidade, competitividade e sustentabilidade das cadeias produtivas de plantios florestais energéticos, bem como dos co-produtos resultantes na obtenção de biocombustíveis.

O projeto "Florestas Energéticas" é multi-institucional e conta com a participação de cerca de 70 empresas públicas e privadas de todo país lideradas pela Embrapa Florestas, Esalq/USP, Embrapa Meio Ambiente e Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Fonte: Florestas na Embrapa

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quem tem medo do Código Florestal?

Gunther Furtado e Teresa Urban


Então, por que raios os grandes proprietários de terra no Brasil estão tão completamente empenhados em eliminar as restrições que o Código Florestal impõe a esta dita propriedade? (arte: Paulo André Vieira)
Durante estes últimos meses, têm sido contadas diversas histórias da carochinha e outros tantos contos de fada sobre os efeitos do Código Florestal Brasileiro como ele está hoje ou como ele ficará com as alterações defendidas pelos grandes proprietários de terra brasileiros. Mas que ninguém se engane: este não é um projeto somente da famosa e famigerada parcela mais atrasada destes proprietários.

Uma primeira falácia a ser tratada é que a disputa em torno do Código Florestal é uma briga entre ambientalistas e ruralistas. Sim, claro está que estes grupos acima estão em campos opostos quanto à questão, mas reduzi-la a estes dois grupos esconde o que de fato está em jogo: deve ou não haver regras que limitem o poder do proprietário sobre a propriedade? E, com a inevitável resposta positiva, estas regras devem ser de quê tipo e devem ter quais objetivos?


A aplicação efetiva do Código Florestal é indiferente para a empresa agrícola de grande porte. Vejamos: tome-se duas áreas, uma de mil hectares, com, digamos, 25% de sua área legalmente protegida, 20% da reserva legal mais margens de rio e topos de morro: e outra, com 750 hectares e sem um centímetro quadrado sequer de área protegida. Para o investidor - dono de uma quantidade determinada de dinheiro que quer aumentar -, não há a menor diferença entre investir seu capital para produzir em uma ou outra. O que interessa ao capitalista não são as boas condições de saúde ambiental de um território, mas apenas e tão somente a capacidade que este território tem de produzir. E é apenas e tão somente para isso que o capitalista paga ao usar a terra para produzir.

Então, por que raios os grandes proprietários de terra no Brasil estão tão completamente empenhados em eliminar as restrições que o Código Florestal impõe a esta dita propriedade? Porque o cumprimento destas restrições altera a capacidade de produção - de curto prazo, que esteja bem claro – e estes senhores só enxergam o curto prazo. Desse modo, remover as restrições impostas pelo Código Florestal tem uma consequência que os proprietários de terra levam em grande consideração: aumenta o preço das terras. A curto prazo.

De diagnósticos e tratamentos (doença certa, remédio errado)

Arte original por Tiago Hoisel ( http://tiagohoisel.blogspot.com/)

Um dos argumentos, talvez o principal, que os grandes proprietários de terra têm usado para defender a necessidade de alterar o Código Florestal é a difícil situação da pequena propriedade familiar para cumprir suas regras. De fato, é possível, e até mesmo provável, que haja situações nas quais a pequena propriedade familiar é incapaz de gerar a renda necessária para a manutenção da família, que deve retirar dela seu sustento. Nessa situação, costuma-se defender uma flexibilização do Código para permitir que aquela família aumente a área de exploração de sua terra, e há uma série de dispositivos dos órgãos regulatórios que determinam estas flexibilizações. No entanto, estas flexibilizações não podem ser pensadas como solução para as situações em que o Código Florestal é incompatível com a subsistência da pequena propriedade familiar. O simples motivo é que, ainda que esta geração de proprietários seja capaz de sobreviver por descumprir o Código, seus filhos não terão o que flexibilizar!

De fato, o diagnóstico não está errado, pois em muitos casos a pequena propriedade familiar tem dificuldades de cumprir o Código Florestal; o que está errado é o tratamento proposto. A propriedade familiar, enquanto conceito instrumental para formulação de políticas públicas - sejam elas de segurança alimentar, de zoneamento agroecológico, planejamento por bacia hidrográfica ou organização fundiária -, só tem sentido se estiver baseada nas condições reais, efetivamente encontradas no meio rural. As reais condições de produção e comercialização e a relação que isto guarda com a manutenção da produção familiar e de pelo menos parte das futuras gerações no campo é que deve ser levada em conta para a determinação de que tamanho e localização deve ter a pequena propriedade familiar. Se a pequena propriedade familiar precisa, para ser viável hoje, cair no descumprimento do Código não haverá forma alguma que lhe permita sustentar uma família maior, quando a próxima geração chegar. Com o agravante de que as terras não se tornarão mais férteis à medida que se destrua a cobertura vegetal e, consequentemente, as nascentes, os rios e encostas que as florestas protegem.

A ameaça forânea

"...os donos de terra no Brasil estão organizada e poderosamente tentando retirar quaisquer barreiras legais ou de outra ordem que funcionem como uma barreira para que os preços da terra no Brasil subam o máximo possível (...)para que eles possam vender suas terras pela maior quantidade de grana possível, e, assim, deixar de ser fazendeiros."
Não faz o menor sentido sequer cogitar que a defesa do Código Florestal Brasileiro seja uma iniciativa dos “outros países” que estariam tentando impedir que a nossa brava gente fazendeira nos torne para sempre campeões em produção de insumos agrícolas. Ora, quem nos vende o veneno, quase qualquer veneno, com o qual inundamos nossas plantações e aparelhos digestivos? Quem nos vende a semente transgênica e sem futuro que nos seduz e acorrenta?

E, por outro lado, alguém realmente espera que a Rainha da Inglaterra esteja urdindo planos mirabolantes para transformar a ilha em grande exportador agrícola? Como é de conhecimento de quase todo mundo, há, na história recente da humanidade, uma divisão internacional do trabalho e o serviço que cabe ao Brasil no concerto das nações é precisamente o de celeiro do planeta. Portanto, se há algum interesse estrangeiro no Código Florestal Brasileiro é no sentido de alterá-lo, como, aliás, comprovam as participações de transnacionais produtoras de insumos agrícolas e de reflorestamento no financiamento das campanhas dos ruralistas.

Três fantasmas pairam sobre as florestas brasileiras

Pois então, se não é para dar liberdade aos intrépidos entrepeneurs rurais deste Brasil varonil, que, de resto, têm a explicar qual o motivo de serem os campeões mundiais em utilização de venenos agrícolas; se a pequena propriedade familiar não será salva pela flexibilização do Código; se não são os “interesses” estrangeiros que querem nos impedir de destruir nossas florestas: o que está acontecendo, afinal?


Grana! Sigamos a grana! [1]

"O silêncio do governo sobre assunto que lhe diz total respeito – o uso e a ocupação de milhões e milhões de hectares do território nacional – pode significar que quem cala, consente."
Hoje, o que há de novo que pode justificar a urgência em alterar a lei que regula e normatiza o exercício da propriedade rural é o amazônico apetite chinês por terras no Brasil. É precisamente por isto que os donos de terra no Brasil estão organizada e poderosamente tentando retirar quaisquer barreiras legais ou de outra ordem que funcionem como uma barreira para que os preços da terra no Brasil subam o máximo possível. Este é um projeto dos fazendeiros, para que eles possam vender suas terras pela maior quantidade de grana possível, e, assim, deixar de ser fazendeiros.

Há, ainda, como é impossível não perceber, uma notável perda de importância na percepção da Europa como mercado potencial para nossas exportações. O que ocorre é que a Europa, com seus consumidores exigentes e informados, sempre foi o grande motivo que levou as empresas exportadoras brasileiras a buscar certificações e o Código Florestal sempre serviu de base para concessão destes certificados. Por enquanto, nada disso é necessário para exportar para China! E cumprir regras desta sorte não é exatamente uma expertise do dragão chinês.

É ao terceiro fantasma que talvez melhor se aplique o apelido: temos uma Constituição que foi feita com toda boa intenção dos primeiros tempos de volta à democracia e que carrega em si muitos dispositivos legais que são, por uma série de fatores, muito mais modernos do que a prática quotidiana do povo brasileiro. Hoje, a parcela deste povo que detém o poder econômico parece estar se organizando para desconstruir os dispositivos que, de uma maneira ou outra, atrapalham a consecução do que consideram seus legítimos interesses. O Código Florestal, pioneiro no reconhecimento da supremacia do interesse público sobre o direito privado, pode ter sido simplesmente um ensaio do que vem por aí, pode ser um fantasma, mas...

O quê o Brasil quer ser quando crescer?

O silêncio do governo sobre assunto que lhe diz total respeito – o uso e a ocupação de milhões e milhões de hectares do território nacional – pode significar que quem cala, consente. Ou mais, que enquanto os ruralistas contam histórias da carochinha, o PAC, em parceria com o setor privado, realiza o maior investimento da história na Amazônia. Segundo levantamentos da Folha de São Paulo, o pacote de investimento para os nove Estados da região, até 2020, já soma R$ 212 bilhões. “Basicamente, são obras de infraestrutura (energia, transporte e mineração). Juntas, elas criarão condições para a instalação de indústrias e darão origem a um corredor de exportação pelo "arco Norte", que vai de Porto Velho (RO), passando por Amazonas, Pará, até o Maranhão. Essa movimentação de cargas será feita por uma malha logística integrada por rodovias, ferrovias e hidrovias que reduzirão custos de exportação, principalmente para o agronegócio [2]”.

Correndo à margem da discussão ambiental, os planos rasgam a floresta para assegurar o escoamento da produção que, inevitavelmente, será feita em terras onde antes, nos tempos da carochinha, existia a maior floresta tropical do planeta.

Fonte: O eco

sábado, 22 de outubro de 2011

As Áreas Úmidas e o novo Código Florestal


artigo de Wolfgang J. Junk, Paulo Teixeira de Sousa Jr e Catia Nunes da Cunha

Autor: Wolfgang J. Junk é coordenador científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas
 A discussão sobre o novo código florestal (CF) já se arrasta por vários anos, esperando-se para breve o desfecho dos debates sobre o tema no Senado Federal. Entretanto, uma questão de grande magnitude não vem recebendo o tratamento adequado: os ecossistemas de áreas úmidas (AUs). Estima-se que as AUs brasileiras perfaçam aproximadamente 20% do território nacional. Elas prestam serviços importantes para o meio ambiente e os seres humanos, tais como armazenamento e purificação de água, retenção de sedimentos, recarga do nível de água do solo, regulação do clima local e regional e a manutenção de uma grande biodiversidade. Além disso, alguns destes ecossistemas abrigam populações humanas com traços culturais únicos, que tem sua fonte de alimentação e de renda dependente dos estoques pesqueiros, da agricultura de subsistência, da pecuária extensiva e da extração de madeira. Atividades que podem ser realizadas de maneira sustentável, com baixo impacto ambiental.

Grande parte das AUs brasileiras, devido ao regime de chuvas sazonais, é submetida a níveis de água variáveis, produzindo um sistema pulsante com períodos de seca e cheia bastante pronunciados. Ao longo de rios pequenos, as AUs cobrem faixas com largura de dezenas de metros; ao longo de rios grandes, faixas de muitos quilômetros. Até 90% dessas AUs secam durante o período de baixa precipitação pluviométrica.

Na velha e na nova versão proposta para o CF, as AUs não são especificamente mencionadas. Já o CF em vigor protege faixas de floresta ao longo dos córregos e rios de acordo com a largura do rio, sendo considerado o nível mais alto, isto é, o nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d’água perene ou intermitente como definido pela resolução CONAMA de 2002.

Esta formulação dá proteção à orla das AUs. O novo CF considera Área de Preservação Permanente (APP) desde a borda da calha do leito regular, sendo esta definida na proposta para o novo CF como: a calha por onde correm regularmente as águas do curso d’água durante o ano. Esta proposição colocaria a maioria das AUs sem proteção legal, afetando a integridade das AUs restantes, impactando negativamente nos serviços proporcionados aos seres humanos e ao meio ambiente.

Exemplificando: as AUs do rio Amazonas, próximo à Manaus e dos seus afluentes principais se estendem por dezenas de quilômetros. Estas áreas são protegidas pela legislação atual, que as considera propriedade da União (Constituição, Art 20) enquanto pertencem ao leito dos rios, entendido (há mais de cem anos) como a calha compreendida entre as margens altas.

Estas são definidas como a linha média das margens das vinte maiores cheias registradas. No novo projeto de CF (PLC 30), o Art 4 considera como APPs: “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha ao leito regular”… definindo depois as suas larguras mínimas de acordo com esse leito. Se esta definição de leito de rio prevalecer, não apenas o patrimônio da União ficará subtraído de centenas de milhares de km2 como também as APPs recuarão drasticamente.

De acordo com artigo 225, da Constituição Federal parágrafo 4, o Pantanal Mato-Grossense é declarado Área de Patrimônio Nacional e o uso de seus recursos tem que seguir as leis para garantir a proteção do ambiente. No entanto, apesar de ser um ecossistema com condições ambientais específicas, o Pantanal está sujeito às mesmas regras e regulamentos aplicado a todas as outras regiões brasileiras. A atual lei estadual do pantanal (lei N 8.830 de 2008) tem várias carências, destacando-se o fato de considerar como o referencial para definir as faixas marginais de preservação ambiental, o nível mais alto do rio, efetuado durante o período sazonal da seca. Isso é um contra senso!

O período seco no Pantanal pode significar leitos de rios completamente secos. Isso é muito grave e o novo CF coloca ao estado esta responsabilidade que é nacional. Desta forma, AUs como as savanas inundáveis do Guaporé, do Araguaia e as de Roraima, além de passarem desapercebidas como ecossistemas de grande importância no CF em vigor não são contempladas no novo CF, pois somente a planície pantaneira está contemplada como área de uso restrito no Capítulo III do novo CF.

Em 1993, o Brasil ratificou a Convenção de Ramsar, que exige dos estados signatários não somente o delineamento e a proteção específica das AUs de importância internacional, mas também um inventário destas, a descrição das suas estruturas e funções e a elaboração de planos para o seu uso sustentável. Apesar do compromisso assumido, até o momento o Brasil encontra-se muito aquém do cumprimento dessas metas. Já é hora destes ecossistemas serem incluídos claramente na legislação brasileira, para posteriormente serem alvo de delimitação, definição e classificação para subsidiarem uma política nacional de AUs e assim atendermos ao nosso compromisso internacional de assegurar a saúde destes ecossistemas.

O desmatamento da floresta tropical e a conversão do cerrado brasileiro em monoculturas já vêm causando impactos dramáticos sobre o ciclo hidrológico. Muitos rios e córregos que antes fluíam o ano inteiro no cinturão agro-industrial localizado na região centro-sul da floresta amazônica já estão secando durante a estação seca. As previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam para o futuro, sobre grandes áreas do Brasil, estações chuvosas e secas mais pronunciadas, caracterizadas por eventos com intensa precipitação e ondas de calor. Alem disso, o prognóstico para a região do cerrado é que haja uma redução da precipitação anual de até 25%. Por isso, a disponibilidade e a distribuição das águas serão fatores limitantes para o desenvolvimento agrícola e o bem-estar das populações rurais e urbanas. As AUs intactas irão desempenhar um papel crucial na manutenção da água na paisagem, tamponando extremos no ciclo hidrológico e fornecendo água limpa.

Na forma em que está, o novo CF vai favorecer a destruição desses recursos vitais, que em poucas décadas serão de importância econômica inestimável para o meio ambiente, a economia e a sociedade brasileiras. Considerando o fato que importantes AUs brasileiras são transfronteiricas, a mudança do CF poderá ter impactos negativos também para países vizinhos, com potencial para a geração de conflitos.

Fonte: publicado no Jornal da Ciência / SBPC

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Florestas que dão lucro



por Cesário Ramalho, presidente da Sociedade Rural Brasileira

Foto: Painel Florestal


 É difícil, considerando toda a polêmica estabelecida em torno da aprovação do novo Código Florestal, deixar de lembrar que uma das atividades mais importantes do setor produtivo não está, ao menos, sendo discutida nesse processo.

Sim, porque, se é importante para o Brasil, e para o mundo, preservar o meio ambiente, o mesmo se pode dizer quanto à economia nacional, basicamente fundamentada no agronegócio. Por agronegócio entende-se agricultura, pecuária e também silvicultura. Esta, necessária para tantos segmentos de mercado quanto as outras duas, com a vantagem de ser ambiental e economicamente sustentável.

Para se ter ideia, o plantio de florestas com foco comercial movimenta mais de R$ 50 bilhões por ano, tem arrecadação anual de tributos na ordem de R$ 9 bilhões e gera em torno 4,5 milhões de empregos diretos, indiretos e devido ao efeito renda. Sem contar os investimentos em programas de responsabilidade social − de saúde, educação e cultura −, que, somente em 2010, somaram R$ 150 milhões. E esses são apenas alguns números representativos.

Mas nada se fala a seu respeito quando ambientalistas, ONGs e tantos outros desinformados criticam e atrasam a aprovação de uma legislação tão importante para o desenvolvimento do País. O Brasil possui, hoje, pouco mais de 6,5 milhões de hectares de florestas plantadas, referentes a 1% do total de florestas nativas, sendo boa parte certificada pelos critérios do Forest Stewardship Council (FSC) e/ou do Programa Nacional de Certificação Florestal (Cerflor).

Desse total, cerca de 6% encontram-se em Mato Grosso do Sul, estado que se torna um dos principais polos para essa atividade, em franca expansão. Contudo, ainda é apontado como um dos maiores desmatadores. Considerando apenas o estado de São Paulo, a silvicultura está entre as primeiras atividades agrícolas em termos econômicos.

O avanço das fronteiras de florestas plantadas, antes restritas aos Estados das regiões Sul e Sudeste e no noroeste ao estado da Bahia, agora se dá pelos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, que, juntos, somam 236,8 mil hectares, aumento de 276,8% em relação aos últimos cinco anos.

A isso podemos juntar os feitos da ciência, que, por meio de pesquisas, permitiu que os cultivos de eucaliptos e pinus atingissem produtividade inédita, conferindo competitividade aos produtos nacionais derivados da madeira nos mercados internacionais.

Muitas são as vantagens dessa atividade, dentre elas a absorção de 60 bilhões de m³ de dióxido de carbono por ano; a alta produtividade – com crescimento anual superior a 40m³ por hectare para o eucalipto e a 30m³ por hectare de pinus, volumes sete vezes maiores que os dos tradicionais produtores da Escandinávia e do Canadá −; e seu crescimento não implica competição com outras atividades agrícolas e pecuárias, uma vez que existe grande área de terra degradada e a possibilidade de utilização do sistema de integração lavoura-pecuária-floresta.

Outro ponto importante é que a atividade trouxe investimento externo ao País, o que gerou a criação de vários fundos florestais. Mas esse é um capítulo à parte, que, desde a limitação imposta pelo Parecer 1/2008 da AGU, resultou em estagnação aos setores de papel e celulose, painéis de madeira industrializada, lenha e carvão vegetal e produtos de madeira sólida.

De acordo com o Anuário Estatístico da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas - ABRAF, o volume de investimentos em plantio de florestas que foram suspensos ou paralisados totaliza R$ 14 bilhões em 2010. Com isso, estima-se que o Brasil deixou de receber R$ 24 bilhões relacionados à implantação de novas unidades de celulose e painéis de madeira industrializada.

Mas esse não é o único entrave para o desenvolvimento da silvicultura nacional. A burocracia, sem dúvida, atrapalha bastante. Isso porque há uma grande confusão no setor, especialmente nos órgãos ambientais, que tratam a floresta plantada como nativa, excluindo, politicamente, o pequeno produtor da atividade. Sem contar a insegurança jurídica criada pelo Código Ambiental em vigor.

É claro que existe necessidade de proteger o meio ambiente, e o produtor rural sabe disso mais do que qualquer um, pois é da terra, da água, da flora e da fauna que ele tira seu sustento. Depende de cada um e quer que todos estejam em perfeita harmonia. Mas por que não unir isso tudo em benefício de um bem maior: o bem-estar ambiental e econômico do Brasil?
Fonte: Rural Centro